Decidi parar, as coisas não acontecem só aos outros…
Valter Costa
Randonneurs Portugal Nº20150251
Paris Brest Paris 2015
Comecemos pelo princípio…
Nunca é demais salientar a atmosfera que se vive no momento da partida e nos dias anteriores, é inexplicável aquela quantidade de bicicletas, a ansiedade, o espírito, a diversidade de pessoas e culturas..épico.
Com a partida para as 17h15 sem qualquer hipótese de alteração, desde logo achei que não seria a melhor escolha, tal como disse o Rui, não é carne nem é peixe e inevitavelmente obriga a pedalar a noite toda e o dia seguinte, o que para mim custa me muito, preferiria ter arrancado de madrugada (6h/7h), mas lá está estas dificuldades fazem parte do pacote não é?
Foram 140k sem parar…
Até ao PA1, feitos a um ritmo elevado na tentativa de aproveitar os “comboios” que iam passando mas muito contente com tudo aquilo que ia descobrindo, de seguida foi controlar o esforço PC a PC até concluir o primeiro objetivo, Brest.
Tudo estava a correr bem no meu caso, o descanso estava a ser gerido de forma inteligente (na minha opinião, mas fora do meu planeamento..onde está a novidade!!) lá encontrei o José Ferreira a caminho do PC1, o Pedro Alves no PC4 e o resto da “cambada” no PC5 antes de Brest, eu a chegar, e eles a arrancar.
Onde começaram os problemas…
E foi aqui depois de umas horas sono que arranquei para Brest que começaram os problemas, logo após a descida para Brest e a faltarem +/- 25k para o PC, comecei a sentir umas fortes picadas no joelho direito que me impossibilitavam de pedalar, foram momentos de tristeza porque não me estava a ver a fazer mais 615k naquelas condições, por isso só me restava chegar a Brest e ver o que fazia da minha vida; chegado a Brest muito depois do que previa mas ainda dentro do tempo limite, tendo perdido mais de hora e meia nesta brincadeira, foi altura de passar pelo posto médico.
Lá, passaram me uma pomada e disseram me para descansar uma hora para ver como me sentia, mas essa hora passou tão depressa….mas enfim, montei na bicicleta e percebi que tinha melhorado, só não podia era entrar em loucuras, teria de ser cadência em vez de força (algo a que não estou nada habitado).Arranquei de volta.
Tomar um banho no hotel…
Parei em Sizun, lá entrei para hotel, comi, e olhei para o relógio e foi quando me apercebi que não dava para dormir, por isso toca a ir para a estrada. Pelo menos nesta altura a motivação estava bem alta depois do que se passou em Brest.
Daí para a frente foi andar tranquilamente, já estava a falhar os tempos de abertura/fecho dos PC’s mas isso não me importava, o que queria era terminar. Os descansos passaram a feitos na beira da estrada com a manta termica sempre que me apetecia, e que bom que era…
Primeiro furo mesmo a chegar a Fougeres (já tardava…) mas nada me parecia incomodar, depois vem Villaines e aquele ambiente fantástico, e antes de Montagne au Perche mais uma paragem para um banho e alimentação, mais uma vez o planeamento dizia para dormir mas não havia tempo.
195k e 14h para os fazer…
Nada complicado…aparentemente não é? Pois mas quando levamos 1000k nas costas, e a noite pela frente tudo muda de figura. E assim foi, cheguei a Montagne au Perche tranquilo mas o corpo pedia descanso, lá dormi um pouco, mais do que devia (mais meia hora do que o previsto, no total hora e meia) e arranquei embora com uma sensação que as coisas não iam correr bem,
O sono pesava, tinha começado a chover, e uns 45m depois de arrancar tinha de parar outra vez, mais uma vez na berma de uma estrada, pumba..45m. Acordei gelado, montei na bicicleta e passada mais 1h a pedalar completamente desconfortável,tomei a decisão….estava muito perigoso continuar, tinha sono, custava me imenso manter os olhos abertos, estava muito escuro, chovia, a estrada molhada, eu não rendia, e para chegar dentro do tempo teria de manter uma média de 17 a 18Km/h, ou seja estava-se a preparar para alguma coisa correr mal, muito mal, e portanto tomei a minha decisão.
Decidi parar…
Ao longo do percurso já tinha visto algumas coisas (nada de novo) desde acidentes, ataques cardíacos, pessoas a vomitar em cima da bicicleta, outros a dormir em cima da bicicleta no meio da estrada…enfim, decidi parar (de novo) dormir o que o meu corpo precisasse (ou quase..) e só depois terminar este desafio gigante.
Dormi pouco mais de 2 horas, mas soube tão bem….sentir a chuva miúda a cair na manta, o barulho constante das bicicletas a passar, bem foi mesmo impecável. Acordado, alimentado com o que sobrava nos alforges segui a Dreux, feliz, muito feliz, a bom ritmo, aproveitando todas as paisagens, resumindo, a disfrutar.
Chegado a Dreux foi carimbar, comer e arrancar, mais uma vez sobre chuva. Na primeira descida á saída da cidade mais uma queda de um companheiro, e eu lá continuava, pedalada atrás de pedalada, mais uns km e um mais um ciclista estendido no chão á espera de uma ambulância…fogo, estava a ficar preocupado, sem falar na quantidade de pessoal parado na berma com furos, quando ia chegar a minha vez? Não faltou muito, a 25k do Velodrome que é a bem dizer na praia, puffffff….já foste. Tranquilamente mudei a câmara e enchi o pneu o suficiente para chegar, estava cansado.
Quase a chegar e a uns 10k uma voz feminina falava em Inglês: Well done, you have made it… mal eu me aproximo, o idioma muda para algo mais familiar: Oh não, tu és Português….muito bem! Olhei para bicicleta dela e realmente o nome não enganava, …. de Sousa. Estava integrada num grupo do Canadá, era filha de pais Portugueses, e Rapha embassador ?!?! Daí para a frente foi a felicidade de terminar, resta dizer que ia ser atropelado por um carro numa rotunda quando entrava para o Parque fechado, e furei a 200mts da chegada..nem é preciso dizer que continuei mesmo assim.
A chegada foi emocionante, tinha um grande amigo á minha espera para partilhar a emoção, e uma lágrima no canto do olho…
O importante nesta primeira abordagem foi sem dúvida terminar, e terminar bem!
Tempo final? 91h e 20 ou 30m…
Quanto ao balanço final, desta vez vai por tópicos, dicas, conclusões etc..:
Aconselho a quem gosta de desafios fazer pelo menos uma vez o PBP na vida, e tudo o que envolve desde preparação, brevets, etc…é uma viagem única. Até ao momento não fiz nada sequer parecido a todos os níveis.