Antes demais, quero desde já agradecer à minha família pelo suporte incondicional destes últimos 4 anos sem os quais teria sido impossível realizar este meu sonho, aos Randonneurs Portugal pela amizade sempre presente, pela passagem de conhecimento e entreajuda constante e uma palavra de agradecimento a todos aqueles que prestam apoio nos brevets realizados em Portugal.
Randonneurs Portugal Nº 20200553
Paris Brest Paris 2023
O meu primeiro PBP
A pergunta que vale um milhão, Why Paris Brest Paris?
Pois …..Em 2017 com 47 anos e mais de 100kg de peso, decidi retomar o hábito de andar de bicicleta, isto é, desde os meus 13 anos que não andava, o meu objetivo era emagrecer e me sentir melhor, foi com um grande espanto meu que após uma volta de 4 km estive uma semana para recuperar.
Veio 2018 e ao visualizar o Youtube, vi o PBP 2015, fiquei apaixonado. Durante meses só pensava nesta prova e em 2019 decidi que queria participar.
Foi nessa altura que tive conhecimento dos Randonneurs Portugal, contudo devido ao covid nada de eventos.
Em 2021 participei no meu primeiro brevet “Dão 200 @2021”, nunca fizera tantos km e logo nesse brevet tomei conhecimento das minhas fragilidades e não fora a ajuda de alguns de vós e não teria terminado, solidariedade e passagem de conhecimento valores que encontrei nos Randonneurs Portugal.
Em 2022 fruto da minha preparação interior e sempre com a vontade do PBP 2023, participei nos brevets 200, 300 e 400 e surpreendemente os de maior distância eram aqueles que melhor terminava.
Veio 2023 e fiz a série completa: agora não podia voltar a trás!
Depois desta preparação rudimentar e com somente um brevet 600km, veio o PBP. Passou muito depressa, já está.
Sexta -feira 18 de Agosto
Chegada a Rambouillet, estava um calor de morrer, fazia lembrar o Alentejo, nesse dia após uma visita ao château e para conhecer o espaço encontrei a Filomena, como sempre simpática e bem-disposta.
Sábado 19 Agosto
Dia de levantar os dorsais, foi com enorme orgulho que levava vestido o jersey dos Randonneurs Portugal e logo a caminho sou brindado com um “Bom dia” era o Diogo do Audax Inglaterra, lá fomos conversando.
Após verificação do material, direção ao centro de Rambouillet para tomar um café.
Começou a chover, para lembrar que estávamos em França e que apesar estar calor podia facilmente alterar o clima.
Domingo 20 Agosto, dia D e de festa
Logo de Inicio a festa da partida, o convívio com a comitiva Lusa e outros randonneurs fossem eles franceses, brasileiros, japoneses ou indianos.
Depois das primeiras largadas foi a vez das bicicletas ditas especiais, sim estas foram a cereja no cimo do bolo, penso mesmo que foi o momento alto das largadas e depois a angústia pela minha partida.
Tomei a partida no grupo R, às 20:15 na companhia do MOAB.
Logo após a partida seguimos a bom ritmo, tendo os primeiros 200km sido percorridos sem qualquer sobressalto, chegados a Villaines-La-Juhel (km 203) em 9h7m, para mim então o que me mais chocou foi ver pessoas tão cedo a pararem para dormir. Inicialmente não entendi.
A chegada a Fougères (km 293) na segunda-feira pelas 10:37 e com 14h18m, foram feitos tranquilamente, tudo até então estava bem.
Seguiu-se Tinténiac (km 354), não sei se devido ao calor, aproveitei para dormir 1 hora, estava cansado, ao acordar encontrei o Moab e o Jorge Nabais, conversámos um bocadinho e de volta à estrada.
O que veio a seguir para mim foi fogo, até Brest foi um constante sobe e desce, contudo foi um final de segundo dia e uma segunda noite bem passada na companhia constante de randonneurs.
Chegado a Brest (Km 604), Terça-feira às 8:18 e após 35h57m era hora de tomar um banho comer e dormir numa cama. Foi com alguma pena que fui acordado ao meio dia (2h30m a dormir), mas estava no plano sair de Brest com 40 horas de prova.
Ao sair de Brest não podia deixar de tirar umas fotos, um souvenir para sempre.
Agora vinha o regresso e sempre me foi dito que o mais difícil estava feito, faltavam 600km e tinha 50 horas para terminar, mas mal sabia eu o inferno que tinha pela frente.
A segunda parte não foi igual, se até agora não tinha tido problemas, logo após o controlo secreto, tive cólicas e as idas à casa de banho ou atrás da moita foram constantes, na cabeça comecei a pensar em desistir.
A chegada a Loudeac (km 782) aconteceu às 0h37 de quarta-feira, pela primeira vez senti desconforto ao andar de noite, talvez tenha sido a noite mais fria e ventosa, aproveitei para dormir uma hora e meia, isto é, encostar a cabeça em cima da mesa e fechar os olhos, ao menos estava quente.
À saída encontrei o Bento, duas palavras amigas e saí a ritmo, mal sabia eu o que viria acontecer ao Bento e para mim também começaram os problemas nos dedos, dormência e falta de sensibilidade na mão esquerda, fiquei com grande ansiedade e com o coração na boca.
Seguiu-se Tinténiac e depois Fougères, (km 928) 13h30m, uma ida ao médico da organização, avaliou-me o meu estado de saúde, medicou-me e disse-me que não era motivo para desistir ao qual respondi de imediato, não, vou até ao fim.
Enquanto almoçava foi com entusiasmo que me encontrei o Pawel, falamos, o que sabe bem falar com alguém conhecido.
A caminho de Villaines-La Juhel, alguém gritou quando parei num café, claro nunca imaginei que fosse o Pedro, após uma refrescante bebida e dois dedos de conversa seguimos os dois. Durou pouco a nossa viagem em conjunto dado a diferença de andamentos, mas fez-me muito bem ao ego.
Em Villaines-La Juhel (km 1018), 20h18m, 71h26m de prova, voltei a encontrar-me com o amigo Pawel, e dele recebi motivação, motivação e motivação, obrigado Pawel.
Agora tinha pela frente os últimos 200 km, com todos os meus problemas, o pior era o formigueiro e perda de força na mão esquerda, não conseguia mudar de prato, assim fui até ao fim no prato pequeno, acumulavam-se as paragens por problemas intestinais e também começava a ficar com sono.
Veio a Quinta feira e último dia, antes de Mortagne-Au-Perche parei num club onde serviam comida e bebidas e dormi uma hora e meia, dormi no chão encostado a uma parede.
Ao km 1150, pelas 6 da manhã voltei a parar, agora num Bistro de aldeia, bebi um café e sentei-me numa cadeira e desliguei, sim não me lembro de nada, acordei uma hora depois quando o capacete me caiu das mãos. O ter dormido fez-me bem pois considero que foi reparador. Estes quilómetros finais trouxeram uma nova variável, a chuva.
Cheguei a Dreux (km 1177) às 9h32 com 85h16m, comi e segui, sempre de olho no tempo por forma a chegar antes das 90 horas.
E assim cheguei ao destino (km 1219), antes do tempo limite, contudo por causa dos problemas que tive perdi um pouco da beleza desta prova, mas também fica a autossuperação nos momentos mais delicados.
Findo o PBP 2023, devo confessar que tive sorte, tempo favorável, ausência de vento e somente 9 horas de tempo gasto para dormir. Lembro-me das palavras sábias do Pedro que dizia que era necessário dormir para passar bem brevets superiores a 600km, penso que aprendi.
Para mim, foi uma experiência maravilhosa e aconselho a todos os que fazem ultradistância e para aqueles que nunca fizeram estas distâncias, devem pesquisar e aconselhar-se com quem já o fez, reforço, mental forte, gestão do sono e capacidade de gestão do tempo são a chave para o sucesso neste evento.
Fica na memória os bons momentos, o conforto nas palavras dos Randonneurs Portugal, os voluntários dos checkpoint, as pessoas que na rua nos ofereciam o que tinham e algumas bastava estarem presentes, como aqueles que às duas da manhã batiam palmas à passagem de cada um de nós e confesso só ouvi porque não os consegui ver.
O que mais me surpreendeu neste PBP e nunca tinha pensado presenciar é a quantidade de pessoas que ao longo da estrada parou para descansar, ver de noite pessoas deitadas nas bermas da estrada com mantas de sobrevivência e nos postos de controlo a quantidade de pessoas deitadas no chão.
E para terminar dizer que apesar do esforço, cansaço e privação do sono, não me arrependo de nada e considero que cada minuto passado foram excelentes e que sirva para crescer e melhorar de modo caso me seja possível voltar mais forte em 2027.