Valter Costa
Randonneurs Portugal Nº20150251
SR 600 km Portucale @ 2018
SUPER QUÊ???
A primeira vez que ouvi falar numa Super Randonnée foi no dia 23 Abril de 2015 – de acordo com o facebook – através de uma publicação dos Randonneurs Brasil que eu acompanhava nos tempos em que lá andava. Logo após uma breve leitura dos requisitos mínimos para que um percurso possa ser considerado válido, dei comigo a pensar: “Era menino para me meter numa coisa destas…”. Portanto, o primeiro passo foi mesmo perceber se já havia alguma coisa feita por cá, através de uma pesquisa rápida no site do ACP, para imediatamente perceber que não havia nadinha, por isso meia bola e força e vamos pôr isto a mexer.
Apesar de nos dias seguintes ter andado todo entusiasmado, a verdade é que com a ansiedade pré-PBP (Paris-Brest-Paris) que faz agora curiosamente 4 anos, este projeto passou para segundo plano, e só voltei a trabalhar nisto em 2016 após uma convocação dos suspeitos do costume (André Carvalho e o Vítor Machado). Assim, entre umas francesinhas bem regadas com uns finos e digestivos — como sempre — saiu um esboço daquilo que é hoje a SR PORTVCALE.
Já não me lembro bem como é óbvio, mas acho que foi mais ou menos isso, o que sei é que as ideias mais idiotas se desenvolvem sempre desta forma, à mesa do Nelma no Porto!!!
Foi precisamente numa dessas noites de reunião que como já disse, foi elaborado o primeiro esboço do que seria mais tarde o percurso final, através de um processo que começou por enumerar um conjunto de estradas e lugares que achamos que deveria passar, ou pelo menos gostávamos que assim fosse, para depois definir a estratégia global, que se debruçava sobre inúmeros aspectos que na nossa opinião davam notoriedade, sustentabilidade e projeção. A titulo de exemplo, e porque alguns deles condicionam automaticamente todo o resto do desenvolvimento do projeto, era que deveria começar e terminar no mesmo local (pendular), o local de partida deveria ter um caracter simbólico e inegável em relação á identidade do nosso pais e/ou região, e deveria ser acessível através de comboio a partir do Porto e consequentemente outras cidades importantes (isto já a pensar na projeção internacional).
Como grande parte dos POI’s que definimos estavam na região Norte (óbvio), verificamos que a opção de definir Guimarães como local de partida/chegada seria muito interessante, por isso e de forma a continuar a desenvolver o percurso, imediatamente definimos o Largo do Toural junto á muralha/parede/fachada c/inscrição “Aqui nasceu Portugal” como o ponto de partida, o PC1 deste brevet. Muito bem esgalhado na minha opinião…
Daqui para frente foi desenhar o percurso no mapa (digital), assim escrito até parece fácil… mas mal começamos o draft unindo os POI’s que queríamos, percebemos que fazê-lo sem derrapar na distancia e no acumulado, bem como evitando estradas movimentadas ou desinteressantes, e garantindo um bom suporte logístico (localidades com serviços) era uma tarefa muito difícil, e quando falo em não derrapar, no caso especifico da altimetria é chegar com valores totais dentro do razoável, pois sem qualquer cuidado facilmente atingimos os 700k e +16.000m…completamente desajustado.
Também não estávamos á espera de fechar tudo naquele dia, por isso, e porque não podia ser de outra forma, delegamos de forma unanime ao André Carvalho, que levou o problema para casa e trouxe passados uns dias com os ajustes necessários para validação, agora sim dentro dos limites do razoável, embora (como não seria de esperar de quem vem…) algo acima dos mínimos exigidos que por si só já não são nada meigos. Resultado final: 622,0k | +13.080m para serem feitos á data em 54h.
Desde então houve uma alteração nas regras, em que ao contrário do que estava definido em que ao tempo máximo de 50h deveria ser incrementada 1h por cada +500m de altimetria adicionais aos +10.000m, fixou-se o tempo máximo de 60h independentemente do valor total de acumulado positivo.
É importante também referir neste olhar retrospetivo, que grande parte do desenvolvimento do projeto foi feito á nossa conta e risco, mas não havia outra forma de o fazer – pelo menos aos nossos olhos – queríamos que quando chegasse o dia de apresentar o projeto, este já estivesse de certa forma consistente e estudado, e não fosse apenas um percurso com cerca de 600k e +10.000m de acumulado, tinha de ser de certa forma uma projeção de nós próprios, do que gostamos, do que nos identifica, e daquilo que a nossa região/pais tem para oferecer.
Posto isto efetuamos a primeira abordagem a quem de direito, de forma a saber se valeria a pena ou não avançar para o terreno, sendo que a confirmação do outro lado chegou no mesmo momento em que apresentamos os argumentos na mesa da Associação local findo o brevet do Montejunto, brevet curiosamente que não terminamos… o que de certa forma não deixa de ser cómico, isto apesar de não haver qualquer relação direta entre si, apresentamo-nos como pretendentes á organização de uma SR, mas não acabamos um brevet de 200k…claro que houve uma justificação para isso ter acontecido.
Mas continuando neste preambulo, obtida “carta branca” (com determinadas ressalvas) e resumindo os passos seguintes de forma muito breve para poder avançar para o relato da minha experiência, e chegado o bom tempo, dias compridos, isto em Julho de 2016 lá fomos fazer o reconhecimento do percurso, que correu bastante bem. A nossa ideia era simular o percurso, mas entre fotos, anotações, e uma vontade enorme de aproveitar cada lugar, cada paisagem independentemente da hora do dia, entre outros constrangimentos de ordem de agenda familiar e uma preguiça decorrente de jantar generoso em Alvarenga, vimo-nos forçados a fazê-lo em duas partes, mas que ainda assim não deixou de totalizar 485.0k | +10.219m, tendo ficando o restante para umas semanas depois, embora esta segunda parte como já decorria em locais bastante familiares, serviu simplesmente para confirmar o plano. Mas o importante é que correu tudo bem, deu para afinar a navegação, confirmar o que tínhamos idealizado e desenhado no papel, portanto só faltava mesmo homologar o percurso.
Essa homologação ficou marcada para 2017, porém pouco antes da data devido a uma sequência de alterações ao meu calendário “desportivo”, não pude acompanhar os meus companheiros de organização. Enquanto eles percorriam a SR eu andava pelo Alentejo a cumprir requisitos mínimos para que em Setembro pudesse estar no PAT 1200, portanto teria de ficar para o ano… mas por entre brevets e outras idiotices, rapidamente chegou a altura de realizar esse compromisso, mais precisamente a 26 de Abril de 2018, 3 anos depois de ter ouvido falar nisto pela primeira vez.
COMO PLANEAR 622.0K | +13.080M EM MENOS DE 60H?
É daquelas coisas que numa folha de Excel parece muito fácil e totalmente exequível, porém na prática não é bem assim. O meu planeamento para a SR era muito simples, consistia em dividir a distancia total em 3 blocos, não obrigatoriamente nos PC (Postos de Controle), tendo em conta a logística disponível nas localidades ao longo do percurso. Outro especto muito importante, e que sem dúvida influenciou a divisão dos blocos, foi a ascensão a São Macário e o Portal do Inferno, para mim era impensável chegar lá de noite, e obrigatoriamente tinha de chegar bem alimentado, portanto todo o desenvolvimento do planeamento foi trabalhado em volta destas ultimas duas premissas. O resultado foi bastante óbvio e equilibrado:
Guimarães > Moimenta da Beira – 271.30k | +5.162m
Moimenta da Beira > Amarante – 229.8k | +4928m
Amarante > Guimarães – 120.9k | +2990m
Como mais a frente vai ser possível verificar, este meu otimismo em tentar percorrer na primeira etapa uma distancia tão grande – especialmente neste contexto – não resultou e tive de antecipar a pausa para o descanso do primeiro dia. Definitivamente não consigo lidar bem com o sono!!! É algo que já me vou habituando e mentalizando, chega aquela hora e tenho mesmo de parar..!
PARTE 1 – GUIMARÃES > MOIMENTA DA BEIRA, OU MELHOR DIZENDO SÃO JOÃO DA PESQUEIRA…
O dia começou bastante cedo para mim com o arranque definido para as 08h30, e apesar de morar a pouco mais de 20k do local de partida, decidi que ia de comboio – nada como testar a exequibilidade da estratégia que definimos – portanto tive de apanhar o comboio cerca das 07h00 da manhã na Estação de Famalicão para depois efetuar o transbordo em Lousado, para daí seguir caminho até Guimarães. No total demorei cerca de 1h10 para chegar lá de comboio, bem diferente dos 0h25 que seria necessário para fazer de carro.
Chegado ao Largo do Toural, e com cerca de 0h20m para desperdiçar, foi o tempo suficiente para tomar um café na companhia do André que fez questão de estar presente, fumar um ultimo cigarro para depois ligar o GPS e o SPOT, e finalmente arrancar.
O inicio é relativamente tranquilo, e arrisco-me a dizer que racionalmente não podia ser de outra forma, ou pelos recomenda-se que assim seja para que cada um se possa ambientar ao que se lhe espera dai para frente; sem grandes dificuldades a primeira paragem seria no PC2 em Cabeceiras de Basto aproveitando a obrigatoriedade de carimbar o passaporte, para tal tinha de percorrer cerca de 50.0k | +941m de acumulado, feitos inicialmente em estradas relativamente movimentadas, factor agravado pela hora de ponta matinal, para pouco depois entrar em estradas mais desertas onde aí sim já me pude concentrar no que me tinha metido, e inerentemente no que me esperava pela frente.
Curiosamente lembro-me que cheguei tanto como 0h05 antes do planeado (nada mau), ainda para mais tendo em conta que na descida estive parado uns bons 00h03/00h04m num semáforo por causa de obras na estrada, tanto tempo por causa por causa de 150m de obras…. mas siga que ainda só agora começamos.
“Carimbado” o passaporte e com a próxima paragem planeada para Vila Pouca de Aguiar, isto embora o PC seguinte fosse em Padrela, arranquei com uma satisfação de estar á frente do “meu” relógio.
O percurso nesta 2ºparte já apresentava mais dificuldades óbvias, mas foi com uma certa rapidez que me desenrasquei até Vila Pouca, após ter enfrentado as rampas á saída de Cabeceiras, para continuar num registo mais suave (em subida) até Vila Pouca passando por Ribeira de Pena pela N206. Chegado a Vila Pouca de Aguiar era hora de almoçar, e como já sabia onde iria comer não “perdi” muito tempo, e pouco mais de 0h30m depois arranquei em direção a Padrela. A saída de Vila Pouca é para mim qualquer coisa de fabuloso como as imagens testemunham, e (também) por isso aqueles primeiros km continuando pela N206 foram feitos a um ritmo moderado para não estragar o almoço, embora debaixo de um sol abrasador. Mais lento do que esperava lá segui até ao local definido para espetar mais um carimbo. Como neste PC não há rigorosamente nada, não dá para perder muito tempo, por isso rapidamente me fiz novamente á estrada, desta vez em direção a Foz Tua onde iria encontrar o próximo PC.
Continuando por mais uns km pela N206, não tarda muito para encontrar o desvio para Curros, e aqui é preciso alguma atenção, isto porque por um lado continuamos a descer, portanto vamos com uma velocidade maior, por outro lado o estado e o perfil da estrada obriga-nos a uma concentração extra, e por fim é preciso ir muito atento á navegação. No meu caso, como já conhecia não tive problemas de maior, porém lembro-me que durante o reconhecimento que fizemos, tivemos que parar algumas vezes para assinalar no nosso livro de notas dos cuidados a ter, e onde os ter.
Feita a descida e, como não podia deixar de ser, toca a subir, desta vez em direção a Murça. Uma subida relativamente curta mas “empinada”, que alivia mal se chega a Jou, e quando me dou conta já estava a descer em direção ao centro de Murça. Como já se tinham passado umas horas, aproveitei para voltar a comer antes de subir novamente, desta vez em direção a Alijó pelo mesmo percurso que se fazia a Rampa de Murça a contar para o Campeonato Nacional de Montanha de automobilismo. É uma subida muito bonita e dá para nos distrairmos á medida que vamos acumulando…acumulado.
Feita a subida e após uns falsos planos e subidas suaves, iniciei a descida para Alijó com o relógio a bater as 19h, embora não fosse tarde, eu sabia que de Alijó até Foz Tua era a descer, e que depois de Foz Tua só voltaria a encontrar civilização já só em São João da Pesqueira, ou seja muito tempo depois, por isso voltei a parar desta vez num supermercado para uma fruta e uns gelados.
Bem, se fosse hoje, e tendo em conta a curta distancia (dentro do contexto) entre Murça e Alijó, não teria parado em Murça, embora tenha parado pouco tempo, ás vezes é preciso saber aguentar e contrariar certas vontades.
Mas continuando, depois da paragem em Alijó, encaixado nos drops rapidamente cheguei a Foz Tua, e que lugar…. cheguei um pouco mais tarde do que queria, gostaria de ter apreciado aquela vista com mais luz natural, porém já começava a escurecer, mas mesmo assim tive que parar e deliciar-me com aquele cenário único do reflexo da paisagem no rio, uma tranquilidade difícil de descrever, uma beleza que nos enche a alma, e nos faz pensar como o nosso é pais é bonito…
Poesias á parte era preciso continuar, até porque o que se seguia não era fácil e o cansaço já se fazia notar. Esperava-me uns bons km de subida constante de cerca de 20k, para depois descer para a barragem da Valeira e atacar a subida final (sim nesta altura o planeamento já tinha sido reformulado) para chegar até São João da Pesqueira, jantar e descansar.
E assim, aproveitando o avançado da hora em que já não nos dá grande hipótese de contemplações, lá fui rolando encosta acima, já conhecia a paisagem quando do reconhecimento, portanto era só por uma musica de feição e fazer os km passar. Feita a subida, tocava “planar” ligeiramente para depois descer com muito cuidado para a Barragem da Valeira. A descida era longa, técnica e já com a noite bem instalada obrigava a cuidados mais que redobrados, contudo tudo foi feito com relativa tranquilidade e sem sobressaltos. A terminar o ataque a São João da Pesqueira feito de forma cuidadosa e lenta porque o corpo já demonstrava muito cansaço, e o que ainda estava para vir era pior ou semelhante aquilo que foi o primeiro dia. A ajudar á festa tinha a fome a bater, isto porque já passavam das 21h quando comecei a subir, com inclinações brutais e a ansiedade de chegar ainda dentro do horário de funcionamento da pizzaria Pesqueirense onde tinha previsto jantar. Como vi que já estava tudo apertado, demasiado por sinal, lá fiz uma chamada a confirmar o horário, aproveitando para encomendar a janta que consistiu numa sopa e numa pizza acabada de fazer propositadamente para mim.
Posso dizer que foi com algum custo que cheguei ao restaurante, “alimentado” pela fome acelerei já dentro do centro urbano até ao restaurante onde me esperava uma mesa já posta. Após o jantar foi tempo de decisões, continuo, ou fico por aqui?? Tendo em conta que quando acabei de jantar já passava das 23h, e que o que me esperava a seguir apesar de no papel não ser difícil, sem dúvidas que seria trabalhoso, isto tendo em conta que teria de chegar até Moimenta da Beira que incluía a descida até ao Pinhão, a subida ate Tabuaço, para depois andar ali num “nem sobe nem desce” até Moimenta, portanto achei por bem fazer uma visita aos Bombeiros de São João da Pesqueira, que mais uma vez me deram guarita para um noite bem passada, noite como quem diz, pouco mais de 4h ate despertar e preparar-me para o dia seguinte. Neste ponto levava 220k e +5500m de acumulado, nada que me assustasse não fosse o que me esperava a seguir até ao destino final.
PARTE 2 – SÃO JOÃO DA PESQUEIRA > CINFÃES
Após umas horas de sono com muita qualidade, e com temperaturas relativamente baixas, lá me desloquei ao sitio do costume para o pequeno almoço, onde também como de costume a companhia seria trabalhadores rurais que iniciavam mais uma jornada, Aviado fiz o aquecimento aproveitando os primeiros km á saída de São João da Pesqueira em ligeira subida, para então depois começar a descer até ao Pinhão, serpenteando ao longo das encostas por entre as vinhas Durienses até encontrar o Rio Douro, desta forma também aproveitando para compensar a média geral.
Terminada a descida, segui pela N222 em direção a Moimenta da Beira, entrando pena N323 com passagem por Tabuaço, e dai para frente até Moimenta da Beira onde teria o PC5, é preciso ter aquela preocupação de continuar a pedalar certinho de forma a aproveitar dentro dos possíveis uma aparente facilidade na morfologia do terreno, mas que dentro deste contexto especifico torna-se muito tentador abrandar e perder o rigor, e claro que depois os km não passam e parece que nunca mais chegamos, tornando a jornada ainda mais difícil.
Chegado a Moimenta, mais um pequeno almoço reforçado para seguir viagem, até porque daqui para a frente encontraria talvez a maior dificuldade concentrada de toda esta jornada, um pequeno inferno chamado São Macário seguido das rampas do Portal do Inferno.
E assim foi, arranquei encarei a subida até ás eólicas antes de Moledo, de forma controlada e poupada, onde até o piso dificultava aquilo que por si só era difícil, mas que deu para chegar inteiro até ás Termas do Carvalhal para almoçar já um pouco fora de horas (como vem sendo hábito), contudo o suficiente para depois sim, encarar após São Macário e Portal do Inferno.
A subida de São Macário por Sul é dura, mais dura ainda se estiver calor (que estava), mais difícil se for feita com a bicicleta carregada (que estava), e ainda quando se leva já ao topo e levar nas pernas 350k c/+7500m ( e levava), e ainda… se for feita sozinho, e não é que ia? Este ultimo factor é discutível, admito que depende do estado de espirito, mas independentemente disso, foi muito duro, ao ponto de nas rampas do Portal do inferno não conseguir pedalar 10mts seguidos… mas lá está, este tipo de situações fazem parte, e o importante é saber lidar com elas. Mas voltando a São Macário, não há grande ciência neste contexto, é começar a 34/28, subir nas rampas dos aviários para 34/32 ou até mesmo 34/34, e deixar andar, uma pedalada a seguir á outra, ter paciência porque leva tempo a chegar lá cima, e claro, não parar. Concluída a subida, o PC é mesmo na placa, por isso não dá para perder muito tempo, contribuindo por isso para a eficiência do desafio.
A seguir teria o Portal do Inferno com as suas rampas infernais (que lindo), porém as pernas começaram falhar de forma gritante!!!! Nada que uma paragem para restabelecer sólidos não resolva, mas neste caso só ajudou, porque resolver não resolveu nadinha, custou na mesma. Segue-se uma descida técnica mas saborosa até Ponte de Telhe, necessária para relaxar as pernas, contudo os braços, as costas, os ombros e as mãos sofrem, isto independentemente dos travões e do guiador que levo, chegam a Ponte de Telhe completamente arrebentados fruto do piso e do traçado sinuoso da descida.
Chego á conclusão que nesta SR sofres de todas as maneiras, como diz o povo, se não é do cu, é das calças…
Em Ponte de Telhe a paragem no Café Rocha com o seu minimercado torna-se inevitável, portanto nada como aproveitar o comércio local para emborcar um fino, uma coca-cola, batatas fritas, fruta e um gelado!!! Daqui para frente era tranquilo, o ideal para recuperar forças sem perder muito tempo até Castelo de Paiva, para aí voltar a parar e tomar uma refeição mais completa antes de subir e descer os passadiços do Paiva, Alvarenga, com passagem em Parada de Ester mesmo antes de atacar o Montemuro onde encontraria mais um PC.
A paragem em Arouca foi rápida, 45m para comer uma sopa, um prego no pão, uns salgados, e terminar com um gelado – eu sei, mais um.. mas para quem tiver dúvidas, experimentem e depois vejam se em dias de calor não é uma maravilha!!!! Lá recarreguei o food bag pois até Alvarenga já sabia que não ia encontrar nada para me abastecer.
A subida e posterior descida até aos passadiços foi tranquila, e atrevo-me a dizer agora, uns bons meses depois que foi relaxante, e a verdade é que estava mesmo a precisar. Encantado pelo facto de o pior supostamente já ter passado, já que nessa altura faltava muito menos para chegar ao fim, por isso posso dizer que estava animado. Já com a noite a aproximar-se cheguei aos passadiços onde tirei a foto obrigatória, e logo de seguida comecei a subir para Alvarenga, onde mantive o registo anterior. Passei Alvarenga e segui em direção ás Portas de Montemuro pela Faifa, aproveitando um ultimo café aberto em Parada de Ester para repor líquidos e comer mais um gelado, isto entre outras comidas altamente calóricas. A subida até ás Porta de Montemuro pela Faifa é dura, eu acho que chega a ser mais dura que São Macário, ainda por cima sentia-me cansado, mas por outro lado desejoso para chegar a Cinfães onde tinha previsto parar, e para além disso iria entrar no ultimo trecho, já em terreno completamente conhecido, ou seja sem surpresas, por isso a minha vontade era mesmo despachar aquilo.
Só gostava que fosse tão fácil fazer como é escrever tal como estou a fazer agora. Foi muito difícil, já passava das 22h, não há iluminação publica, estradas desertas, sinuosas, não se tem qualquer perceção das inclinações, e mesmo iluminado por uma luz alimentada por dínamo em valores quase mínimos decorrente da velocidade, vou completamente ás escuras… Por vezes lá avistava um carro, sim, naquela estrada passam carros a partir das 22h, e lembro-me de chegar lá acima com frio, por isso mais uma vez foi tirar a foto e preparar-me para descer até Cinfães, que para quem não conhece é uma descida longa numa estrada com bom piso mas, dado as temperaturas, precisava de ir com cuidado para não estragar todo o trabalho até ao momento. É muito fácil errar a leitura da estrada com o cansaço e o sono a bater, e quando damos por nós estamos fora da estrada. Felizmente não aconteceu nada disso, fui certinho até Cinfães onde me esperava uma (por caso foram duas) tostas mistas num café já nosso conhecido e que sabia que de certeza que ia estar aberto á 01h00 da manhã.
E sim, o café (não me lembro do nome) estava aberto, com os vidros da montra completamente embaciados decorrente da diferença das temperaturas gélidas no exterior contrastando com o calor excessivo no interior criado pelos aquecedores a bombar para um pequeno grupo de jogadores de cartas. É recorrente as reações de surpresa dos locais ao ver um ciclista vestido com um colete fluorescente e roupas justas aquelas horas da noite, a entrar pelos estabelecimentos quase sempre desejosos de comer e beber… desta vez não foi diferente, após um “boa noite caloroso” lá me sentei a disfrutar de uma tosta mista acompanhado por um Compal. Nestas alturas coca colas e afins já não passam na garganta.
Depois de comer, confortável e quente, segue-se o suplicio de voltar a pegar na bicicleta, mas desta vez não era para andar muito tempo, era penas o suficiente para me deslocar ate um sitio abrigado, abrir a manta de sobrevivência, o liner e descansar umas horas, tinha mesmo de ser.
Lá me dirigi aos bombeiros, mais uma vez, mas desta vez não tive muita sorte.
Mal cheguei e após uma breve inspeção á envolvente percebi que não seria fácil ser atendido, não sei se foi pelo cansaço ou pela vergonha de estar a incomodar quem está a trabalhar – ainda por cima de forma voluntária – mas não encontrei sequer uma porta aberta, por isso foi mesmo cá fora no alpendre que de acordo com os convénios arquitetónicos definem a entrada que me instalei, voltando um pouco ás origens e á essência desta forma única de pedalar, e esta situação serve um pouco de aviso para quem se decida iniciar neste tipo empreitadas, é que não devemos contar com o ovo no cu da galinha, pelo contrário, devemos sempre ir preparados para o pior, nem que para isso seja necessário carregar mais 1/2Kg ao longo de uma jornada tão grande, pois nunca sabemos quando é que podemos precisar.
PARTE 3 – CINFÃES > GUIMARÃES
Descansei pouco mais de 3 horas, o suficiente para me sentir preparado para enfrentar os desafios finais até Guimarães. A saída como sempre custou, sair da manta para montar a bicicleta com temperaturas exteriores a rondar os 2/3º é difícil, mas tinha de ser, senão ficava tudo muito apertado. A descida até Porto Antigo custou, apesar das várias camadas de roupa tremia de frio, mas com o nascer do dia já a subir para Lomba em direção ao Marco de Canavezes, mentalmente fiquei mais motivado, já faltava pouco… Tinha previsto tomar o pequeno almoço no Marco de Canavezes, porém não foi bem assim, cheguei lá tarde demais para encontrar pelo menos a roulotte aberta, e cedo demais para encontrar algum café para me servir pelo menos uma meia de leite quente, por isso lá tive de recorrer á dispensa, no caso ao que sobrava para me aguentar até Amarante, mas sim, deu para seguir em serviços mínimos. Em Amarante e já muito perto das 9h00 (acho eu..) e tendo pela frente já muito pouco (salvo seja…) foi tempo de aquecer debaixo de ambiente solarengo, no sitio onde tantas vezes paro antes de subir o Marão via N15 nas minhas voltas de fim de semana. Daqui para a frente não havia surpresas, sabia com o que contar, por isso não havia desculpas para não chegar a tempo.
A verdade é que nesta altura sentia-me novamente bem, via o objetivo muito perto, e foi com esse sentimento que fiz a subida do Marão como tantas outras vezes apesar do cansaço acumulado de 500k e +10.500m; foi agradável, bastante rápida tendo em conta o contexto, mas claro também com a dificuldade de sempre. Chegado ao Alto de Espinho, tirei a foto do PC, desci para a Campeã, para depois seguir em direção ás Fisgas do Ermelo, e que descida…mais uma vez cenários que nos enchem a alma, e nos fazem refletir que gosto tanto disto!!!! Aproximava-se a hora do almoço e por isso era preciso acelerar até Mondim, onde na Pizaria do costume ia comer uma sopa, uma salada de fruta e arrancaria para o ultimo grande desafio, o Viso. O plano foi cumprido escrupulosamente, apenas ligeiramente atrasado pela não compreensão por parte dos funcionários da pizaria que eu queria uma sopa, pão, uma água das pedras, uma garrafa de água de 1 1/2l, uma coca cola, a salada de fruta, um café e a conta, mas tudo ao mesmo tempo… detalhes á parte, depois de atestar o deposito rolei até Celorico em modo de aquecimento, isto porque o Viso é dose. O idiota que se lembrou de substituir o final por algo como “a cereja no topo do bolo” não tem culpa, culpa teve o idiota que aceitou que fosse assim, no caso eu… sem desmontar lá fiz as sucessivas rampas com inclinações facilmente acima dos dois dígitos, abençoada por uma chuva rápida mas intensa nos últimos 500mts.
Tenho de reconhecer que depois do Viso efetivamente não há grandes obstáculos até Guimarães, a SR praticamente acaba ali, e isso faz com que a sensação de conquista seja enorme e inigualável em relação ás anteriores subidas. Dali até ao destino é a descer ou com falsos planos em direção a Fafe, para depois entrar na ciclovia e de forma relaxada cumprir os últimos km até Guimarães. Curiosamente mal entrei na ciclovia parei, pois independentemente de não precisar de luz, notei que a roda da frente estava a fazer um barulho estranho e o dínamo não estava a funcionar. Levava a roda desapertada, mas o interessante foi que nessa paragem encontrei o Fernando (@medroso), foi bom encontrar uma companhia para estes últimos km. Em ritmo moderado a por a conversa em dia lá fizemos uns bons km até ele desviar-se de caminho para casa. Dai para a frente foi gastar a embraiagem, a gasolina toda até Guimarães em picanços com as rodas grossas que ia alcançando ao longo da ciclovia percurso. E assim, cheguei….
Não tinha ninguém á minha espera, o José Ferreira que por acaso andava por aquelas bandas atrasou-se, a minha mulher com a minha filha idem… por isso era só eu e consequentemente os festejos foram feitos por mim, para mim, e sem pórticos de patrocinadores, sem audiência, espectadores ou speakers, nem medalha nem diploma…
Quer se goste ou não, são estes aspetos que marcam a tónica desta modalidade, pelo menos em Portugal e Espanha, e que eu muito aprecio.
Informada a família e outros interessados da conclusão dentro do tempo limite e com uma margem boa em relação ao tempo limite, aproveitando a chegada do José Ferreira, foi tempo de beber uma cerveja gelada, fumar “aquele” cigarro. Posto isto era tempo de recolher a casa, mas desta vez de carro, para depois de um banho de todo necessário, cumprir obrigações familiares depois de uns dias ausente. No final do dia e desta vez deitado na minha cama, só pensava numa coisa, está feito…
Resumo final, e desta vez em forma de reflexão após uns bons meses e outros desafios quiçá maiores cumpridos desde então: sinto-me orgulhoso juntamente com os meus dois colegas do percurso definido, seja pela dureza inerente a uma SR, bem como pelo carinho e cuidado que desde o primeiro momento decidimos imputar, repetindo o que disse no inicio, não foi simplesmente unir pontos no mapa, mas sim oferecer uma experiencia completa a quem se decida a fazer esta SR. Cada Km tem de valer a pena!!!
No plano pessoal e relativo á minha condição, não quero fazer disto algo que não o é. Acredito que para quem não tem experiencia neste ambiente pode parecer algo extraordinário, da mesma forma que 200k em cima de uma bicicleta á uns anos atrás era algo que eu julgava inatingível, mas acreditem que não é!!! É difícil, é preciso alguma preparação, mas muita experiência a fim de nos preparar para encarar determinadas dificuldades nas alturas menos próprias, e conseguir seguir em frente, de resto, é ter paciência e deixar passar o tempo, de preferência disfrutando de cada minuto…