Arrastar a bicla e o coiro tentando não cair na estrada molhada
Paulo Alexandre Gomes
Randonneurs Portugal Nº201300040
Paris Brest Paris 2015
Bem, parece que chegou a minha vez de contar a experiência PBP 2015…
Como sabem, no meu caso e ao contrário da maioria da malta tuga que fez o PBP em modo “lobo solitário”, eu costumo pedalar com o Luís Inácio e com o José Almeida.
Assim sendo, sexta-feira metemos as biclas no carro e rumámos a Bordéus onde ficámos de sexta para sábado.
Primeira lição para a próxima vez: não chegar a Paris no dia do “bike check” mas sim antes para poder descansar da viagem e poder fazer coisas tipo “pre rides”, verificar se a bicla está Ok, etc e tal…
Também como habitualmente, pouco dormi na noite anterior ao PBP: por muito que eu queira, não consigo evitar o “nervoso miudinho” quando faço estas coisas pela primeira vez: apesar deste ar “couraçado” eu – no fundo, no fundo – sou um tipo sensível :-)
Voltando ao PBP: na partida das 18:30 tivemos a companhia do Tiago Vieira.
Como habitualmente, tinha estabelecido um plano que nos permitiria dormir cerca de 12 horas repartidas pelas 3 noites.
E como habitualmente, logo na primeira “etapa” começámos a desviar-nos do plano, sobretudo por causa de paragens mais prolongadas do que estava estabelecido, mas quem é que resiste a não parar naquelas bancas que alguns bretões montam à beira da estrada com água, café e até bolos?
Para mim foi uma revelação a simpatia e hospitalidade dos franceses uma surpresa agradável nos tempos que correm.
Enfim, passado o deslumbramento inicial, chegámos ao primeiro PC e aí perdemos mais algum tempo a aprender como a “coisa” funcionava: valia a pena comer no PC ou não? Sobretudo nas tiradas nocturnas “sim”, durante o dia “não” é a lição aprendida.
Já com o “plano” meio de rasto seguimos pedalando até à noite de segunda-feira e Saint-Nicolas-du-Pélem onde tínhamos planeado fazer a primeira dormida.
Lições aprendidas pelo meio: o “quebra-pernas francês” é bem pior que o português (não existe descanso…), e o acumulado do PBP requer mesmo uma boa forma física, sobretudo para tipos fortes (leia-se”gordos”) como eu.
Em Saint-Nicolas-du-Pélem – nem eu, nem o Zé e nem o Luís, conseguimos dormir. Em retrospetiva, teria sido melhor continuarmos até ao PC seguinte e dormir nesse local.
Bom, após a paragem do “plano” que deveria ter sido a dormir, mas que foi passada “em branco”, lá seguimos para CARHAIX-PLOUGUER, e de lá para Brest fazendo a primeira subida ao “Muro da Bretanha” na madrugada de terça-feira.
Nova lição aprendida: o nevoeiro francês é mais gelado que o português, e custou-me especialmente fazer as descidas sem os meus óculos (graduados) que ficavam completamente embaciados.
A subida ao “Muro da Bretanha” foi um tormento para mim – da próxima vez necessito de perder uns 10 kgs antes de me meter noutra destas aventuras – mas foi um pouco mais emocionante para um chinês que ia à minha frente e que deve ter adormecido em cima da bicla, porque só o vi de repente a fazer uma curva de 90 graus e enfiar-se na valeta. Eu e o Luis parámos e depois de vermos que tanto ele como a bicla estavam bem, e lá seguimos em direcção a Brest.
Chegámos a Brest com 40 horas feitas e eu com uma imensa vontade de arrumar as botas e apanhar o comboio de volta a Paris. Como habitualmente, o Luís e o Zé conseguiram dissuadir-me e lá nos metemos no caminho de regresso. E por estranho que pareça o regresso pareceu mais fácil que a a ida – embora o percurso fosse quase o mesmo. Exemplo: subir o “Muro da Bretanha” com sol e pelo lado de Brest foi bem mais fácil que na ida…
De Brest a Quedillac (segunda paragem estipulada para dormir) foi um ápice sem percalços de maior. A única situação foi que a travessa esquerda do meu sapato deixou de encaixar bem no pedal e tive que colocar travessas novas em Loudeác – mais uma coisa a evitar em futuros PBP, colocar travessas no meio do evento…
Á custa desta “brincadeira” pedalei cerca de 400 kms “fora da posição ideal” e o resultado foi/é um tornozelo esquerdo inchado…
Em Quedillac, como não havia camas disponiveis no momento que chegámos o Zé Almeida seguiu para Tinténiac, e eu e o Luis ficámos à espera de vaga: os Ticos & Tecos já não estavam a funcionar bem nesta altura e precisavam de repouso…
Dormimos um pouco menos de 3 horas e seguimos caminho, desta vez cada uma ao seu ritmo – o Luis estava com uma forte dor no joelho, eu com o tornozelo esquerdo inchado.
Como esta coisa dos grupos é tramada, quis o “destino” que eu, o Luís e o Zé Almeida nos voltássemos a reencontrar em Fougères e daí até ao final não nos iríamos separar mais.
Quer dizer “separar mais que uma centena de metros”, que nós os 3 pedalamos “à vista”, muitas vezes separados umas dezenas de metros, faz parte da “autonomia total” que gostamos de advogar :-)
Até Dreux a coisa foi andando devagar devagarinho, e acabámos por dormir umas duas horas no chão do pavilhão de Dreux, donde saímos pouco depois das 6 da matina para SQY, com uma chuva que nos fez pensar que um PBP com aquele tempo deve ser um tormento daqueles épicos.
A parte melhor do percurso entre Dreux e SQY foi a paragem numa “boulangerie” para beber um chocolate quente e comer uns bolos acabadinhos de fazer… Nham, nham, que bem que souberam no meio daquela chuvada e após 1150 kms :-)
Até ao final foi arrastar a bicla e o coiro tentando não cair na estrada molhada, vestir a camisola dos Randonneurs Portugal para a chegada e apreciar o feito de terminar um PBP.
Outras lições aprendidas:
Em 5000 participantes há muitas religiões e muitas formas de estar… umas que me agradaram mais outras menos.
Metam conversa com a outra malta sempre que puderem